segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Megaman: O Mangá Made in Brasil



Imagem: www.fenixdown.com.br
O ano era 1998. Quatro anos antes um anime que foi exibido pela Rede Manchete com o único intuito de desencalhar bonecos importados que estavam em um navio no porto de Santos havia se tornado febre nacional. Tratava-se do velho conhecido Cavaleiros do Zodíaco.


Com o sucesso dos defensores de Atena, as emissoras rivais começaram a importar qualquer série animada que fosse entupida de personagens “zóiudos” e de cabelo colorido. Com isso tínhamos as cópias descaradas de Cavaleiros na própria Manchete (Samurai Warriors e Shurato) , as obras voltadas para o público feminino mas que muito marmanjo também se amarrava (Sailor Moon, também na Manchete, e Guerreiras Mágicas de Rayearth no SBT), adaptações de jogos (Street Fighter Victory  e Fly, baseado na série de jogos Dragon Quest) as obras que saiam da fórmula  “garotinhos de armadura” (Yu Yu Hakusho), obras que as emissoras não tinham ideia do potencial e desperdiçaram a chance de gerar um novo “Booom” dos animes (Dragon Ball, que só teve 60 episódios comprados pelo SBT), obras para o público mais “adulto” (os OVAs do US. Mangá da Manchete) e quando a febre parecia já haver passado, houve o  inicio de uma nova febre, a dos  “monstrinhos de bolso” (Pokémon pela Rede Record).

Saudades desse canal...
Foi no meio dessa quizumba oriental toda que o termo “anime” e “mangá” ficaram conhecidos e a procura por material inédito pelos novos fãs começou com avidez. O que encontrávamos nas bancas eram revistas que só falavam e remoinham INFINITAMENTE o que se via na TV (coisa que acontece até hoje quando vamos as bancas e vemos uma ou outra revista sobre mangás e animes que só tem 3 variações de capas: Naruto, One Piece e Bleach). No entanto, havia uma revista diferente nas prateleiras que não só falavam de obras inéditas no Brasil como tinham um tom de humor escrachado que a tornava diferente de tudo que você costumava ler. Tratava-se da revista Animax!

Saudades dessa revista...
A Animax era quase um fanzine profissional, já que a interação dos editores (Sergio Peixoto e o já falecido José Roberto) com os leitores era bem direta e pouco formal. Uma das coisas que eles faziam questão de lembrar pra galera na época é que não era muito viável tentar investir na carreira de autor de mangá no mercado nacional, já que a mídia ainda era pouco conhecida e pouco valorizada no mercado. No entanto, eles mesmos tiveram uma baita ideia para tentar mudar esse quadro de alguma forma. Acontece que no supracitado ano de 1998 o desenho do Megaman (que não era anime) estava fazendo um baita sucesso em “terras brazilis” e ambos decidiram que talvez fosse a hora de termos um mangá nas bancas, coisa que não existia desde os anos 80. Porém, ao invés de publicar o mangá original, José Roberto e Sergio Peixoto viram uma baita oportunidade de fazer algo diferente ante a quantidade de talentos “ocultos” no nosso país : E se ao invés de publicarmos algo pré existente nós criássemos nossa própria história e cada edição fosse desenhada por um desses ilustres desconhecidos? E foi assim que nasceu “Novas Aventuras de Megaman”, um dos primeiros mangás 100% nacionais de longa duração (tá...talvez não tão longa...mas passou do décimo, coisa que NENHUM tinha conseguido até então e dificilmente consegue hoje em dia).



Pra começar a “bagunça”, José Roberto se apossou pessoalmente do roteiro e já no índice da primeira edição fez questão de deixar bem claro que não iria copiar nem o desenho da TV nem o enredo dos jogos. Ele faria algo totalmente novo e cheio de “liberdades” (além de dar uma baita alfinetada na concorrência da época que se valia de uma cópia descarada de um certo personagem inseto famoso dos tokusatsus). Ele também deixava claro que aquele não era o mangá dele e, sim, dos leitores, que poderiam dar pitaco no enredo e, se a ideia fosse boa, as chances de entrar na trama seriam de 100%, por mais maluca e absurda que parecesse.

Sim! Tinha até robô cangaceiro! Mais detalhes adiante.

A primeira edição começava com uma desesperada Roll fugindo de robôs malignos no futuro em busca de seu “irmão”, Megaman. Após muita correria e desespero (e de tomar uns tiranbaços), Roll acorda o desativado Megaman que dá fim aos robôs perseguidores. Ela revela que o robô azulão dormiu por 30 anos e que o Dr. Willy acabou dominando o mundo com seus robôs nesse meio tempo e que seu pai, o Dr. Light, estava morto. No entanto havia um grupo de resistência humana (sempre tem...) que poderia ajudar a virar o jogo e ambos partem em busca desse fio de esperança. Uma história que soa até genérica...e de fato o é! Não fosse o que vem a seguir...



Na segunda edição temos um encontro no mínimo...inusitado. Megaman e Roll encontram ninguém mais, ninguém menos que Megaman X, o “irmão mais velho” do futuro. Só que de uma maneira NADA convencional. Acontece que a nave de Megaman e Roll se choca com a casa do aposentado Megaman X, que está trajando...pijamas, roupão e PANTUFAS DE COELHINHO!


A quebra da quarta parede era uma constante, as vezes envolvendo até a equipe criativa na trama.

A partir daí já sabemos que a história pouco se levará a sério , com piadinhas de cunho sexual, quebras constantes da quarta parede, personagens malucos e inéditos que só aparecem pra anarquizar ainda mais a história ( como a Princesa, que aparece no final da segunda edição em um talk show apresentado pelo próprio Megaman) e conspirações mirabolantes envolvendo alienígenas.  Mas o humor “non sense” as vezes cede lugar para tons mais escuros na trama, como a quarta edição que conta o passado perturbador de Roll.
Cena da perturbadora 4ª edição por Érika Awano.

O bacana de Megaman, além desse tom de “o que será que vem a seguir...” que sempre pegava todo mundo com as calças nas mãos (na sexta edição eles vão parar no Nordeste e enfrentam Jirimum, o robô cangaceiro e sua ruma de cabra que ,juntos, fazem a poderosa formação “Macacheira Dobrada”), eram os desenhistas que sempre colocavam seu estilo próprio em cada edição, sem amarras editoriais. E, acreditem, galera mandava BEM DEMAIS!

Zero das as caras na arte de Rogério Hanata.

Na primeira edição tivemos os desenhos bem básicos (e até tosquinhos) de Márcia Harumi Saito, esposa do Zé Roberto.  E foi a partir da segunda edição que os ilustres desconhecidos mandaram ver. No fim de cada edição tínhamos um pequenos “Bios” dos desenhistas convidados e, a seguir, segue uma pequena lista da galera. MAS ATENÇÃO: Alguns nomes podem explodir sua cabeça...

Ed.01- Márcia Harumi Saito
Ed.02-Grupo Visuart (Marcos Pinto,Daniel HDR, Alexandra Texeira e Samuel Knvetz)
Ed.03- Paulo Henrique (P.H)
Ed.04- Érika Awano
Ed.05- Lydia Megumi Oide
Ed.06- Fábio Paulino Nunes
Ed.07 - Leonardo Ono
Ed.08- Sidney Gonçalves Lima
Ed.09- André Luis Felipe (ALF ou Alfloptrecus Malucus)
Ed.10- Roberto Amaral do Nascimento Jr.
Ed.11- Rogério Hanata
Ed.12- Eduardo Francisco e Rafael Picard
Ed.13- Rogério Hanata (de novo...)
ED.14- André Luis e Fábio Paulino (ambos de novo...)
Ed.15-André Luis (MAIS UMA VEZ, só que aqui o ultimo nome não é mais “Felipe” e sim “Ferreira”...vai entender...)
Ed.16- Daniel HDR e Alexandra Texeira

O mais legal dessa galera é que muitas vezes um dos desenhistas de uma edição aparecia ajudando o desenhista de outra, na maioria das vezes com a colorização. Era praticamente uma “colab” artística. Todos eram poços de talento ainda em inicio de carreira e alguns hoje são praticamente estrelas do traço. O mais facilmente identificável para o público que nunca tocou em um mangá será Daniel HDR, o qual desenha para a DC Comics atualmente.

Página dupla da edição 16 por Daniel HDR e Alexandra Texeira (Imagem: gibissaurus.files.wordpress.com)
 Infelizmente a revista chegou ao fim na edição 16, o que é uma pena pois muita gente extremamente talentosa acabou não sendo publicada. Porém, alguns testes eram sempre publicados no editorial e eram de encher os olhos. Três destes testes que merecem destaque estão nas edições 10, 15 e 16 e são do Caio Thiago, José Henrique Pereira e Walmir dos Santos Archanjo, respectivamente. Os 3 teriam participações garantidissimas na série não fosse o cancelamento e, arrisco a dizer, poderíamos ter algumas das mais belas edições da série...


Enfim, apesar do plot maluco (sabemos que Megaman e Megaman X são o mesmíssimo robô só que de linha temporais diferentes, mas aqui são “irmãos”), da trama pouco ortodoxa (conspirações alienígenas e seitas macabras), vale a pena procurar pelo mangá brazuca do Megaman. Seria ótimo uma nova iniciativa dessas em nossas bancas (a JBC publicou em 2014 os vencedores do concurso nacional “ Henshin Mangá”  mas alguns dos vencedores deixaram MUITO a desejar...). Ainda temos uma porrada de talentos por aí merecendo uma oportunidade. O que precisam é de um empurrão de alguma editora disposta a assumir os riscos e jogar a confiança nesses autores. E, tenho certeza, muitos tem a capacidade necessária para criar um novo nicho duradouro no nosso país. 

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