Imagem: www.fenixdown.com.br |
O ano era 1998. Quatro anos antes
um anime que foi exibido pela Rede Manchete com o único intuito de desencalhar
bonecos importados que estavam em um navio no porto de Santos havia se tornado
febre nacional. Tratava-se do velho conhecido Cavaleiros do Zodíaco.
Com o sucesso dos defensores de
Atena, as emissoras rivais começaram a importar qualquer série animada que
fosse entupida de personagens “zóiudos” e de cabelo colorido. Com isso tínhamos
as cópias descaradas de Cavaleiros na própria Manchete (Samurai Warriors e
Shurato) , as obras voltadas para o público feminino mas que muito marmanjo
também se amarrava (Sailor Moon, também na Manchete, e Guerreiras Mágicas de
Rayearth no SBT), adaptações de jogos (Street Fighter Victory e Fly, baseado na série de jogos Dragon
Quest) as obras que saiam da fórmula
“garotinhos de armadura” (Yu Yu Hakusho), obras que as emissoras não
tinham ideia do potencial e desperdiçaram a chance de gerar um novo “Booom” dos
animes (Dragon Ball, que só teve 60 episódios comprados pelo SBT), obras para o
público mais “adulto” (os OVAs do US. Mangá da Manchete) e quando a febre
parecia já haver passado, houve o inicio
de uma nova febre, a dos “monstrinhos de
bolso” (Pokémon pela Rede Record).
Saudades desse canal... |
Foi no meio dessa quizumba
oriental toda que o termo “anime” e “mangá” ficaram conhecidos e a procura por
material inédito pelos novos fãs começou com avidez. O que encontrávamos nas bancas
eram revistas que só falavam e remoinham INFINITAMENTE o que se via na TV
(coisa que acontece até hoje quando vamos as bancas e vemos uma ou outra
revista sobre mangás e animes que só tem 3 variações de capas: Naruto, One
Piece e Bleach). No entanto, havia uma revista diferente nas prateleiras que
não só falavam de obras inéditas no Brasil como tinham um tom de humor
escrachado que a tornava diferente de tudo que você costumava ler. Tratava-se
da revista Animax!
Saudades dessa revista... |
A Animax era quase um fanzine
profissional, já que a interação dos editores (Sergio Peixoto e o já falecido
José Roberto) com os leitores era bem direta e pouco formal. Uma das coisas que
eles faziam questão de lembrar pra galera na época é que não era muito viável
tentar investir na carreira de autor de mangá no mercado nacional, já que a
mídia ainda era pouco conhecida e pouco valorizada no mercado. No entanto, eles
mesmos tiveram uma baita ideia para tentar mudar esse quadro de alguma forma.
Acontece que no supracitado ano de 1998 o desenho do Megaman (que não era
anime) estava fazendo um baita sucesso em “terras brazilis” e ambos decidiram
que talvez fosse a hora de termos um mangá nas bancas, coisa que não existia
desde os anos 80. Porém, ao invés de publicar o mangá original, José Roberto e
Sergio Peixoto viram uma baita oportunidade de fazer algo diferente ante a
quantidade de talentos “ocultos” no nosso país : E se ao invés de publicarmos
algo pré existente nós criássemos nossa própria história e cada edição fosse
desenhada por um desses ilustres desconhecidos? E foi assim que nasceu “Novas
Aventuras de Megaman”, um dos primeiros mangás 100% nacionais de longa duração
(tá...talvez não tão longa...mas passou do décimo, coisa que NENHUM tinha
conseguido até então e dificilmente consegue hoje em dia).
Pra começar a “bagunça”, José
Roberto se apossou pessoalmente do roteiro e já no índice da primeira edição
fez questão de deixar bem claro que não iria copiar nem o desenho da TV nem o
enredo dos jogos. Ele faria algo totalmente novo e cheio de “liberdades” (além
de dar uma baita alfinetada na concorrência da época que se valia de uma cópia
descarada de um certo personagem inseto famoso dos tokusatsus). Ele também
deixava claro que aquele não era o mangá dele e, sim, dos leitores, que
poderiam dar pitaco no enredo e, se a ideia fosse boa, as chances de entrar na
trama seriam de 100%, por mais maluca e absurda que parecesse.
Sim! Tinha até robô cangaceiro! Mais detalhes adiante. |
A primeira edição começava com
uma desesperada Roll fugindo de robôs malignos no futuro em busca de seu
“irmão”, Megaman. Após muita correria e desespero (e de tomar uns tiranbaços),
Roll acorda o desativado Megaman que dá fim aos robôs perseguidores. Ela revela
que o robô azulão dormiu por 30 anos e que o Dr. Willy acabou dominando o mundo
com seus robôs nesse meio tempo e que seu pai, o Dr. Light, estava morto. No
entanto havia um grupo de resistência humana (sempre tem...) que poderia ajudar
a virar o jogo e ambos partem em busca desse fio de esperança. Uma história que
soa até genérica...e de fato o é! Não fosse o que vem a seguir...
Na segunda edição temos um
encontro no mínimo...inusitado. Megaman e Roll encontram ninguém mais, ninguém
menos que Megaman X, o “irmão mais velho” do futuro. Só que de uma maneira NADA
convencional. Acontece que a nave de Megaman e Roll se choca com a casa do
aposentado Megaman X, que está trajando...pijamas, roupão e PANTUFAS DE
COELHINHO!
A quebra da quarta parede era uma constante, as vezes envolvendo até a equipe criativa na trama. |
A partir daí já sabemos que a
história pouco se levará a sério , com piadinhas de cunho sexual, quebras
constantes da quarta parede, personagens malucos e inéditos que só aparecem pra
anarquizar ainda mais a história ( como a Princesa, que aparece no final da
segunda edição em um talk show apresentado pelo próprio Megaman) e conspirações
mirabolantes envolvendo alienígenas. Mas
o humor “non sense” as vezes cede lugar para tons mais escuros na trama, como a
quarta edição que conta o passado perturbador de Roll.
Cena da perturbadora 4ª edição por Érika Awano. |
O bacana de Megaman, além desse
tom de “o que será que vem a seguir...” que sempre pegava todo mundo com as
calças nas mãos (na sexta edição eles vão parar no Nordeste e enfrentam
Jirimum, o robô cangaceiro e sua ruma de cabra que ,juntos, fazem a poderosa
formação “Macacheira Dobrada”), eram os desenhistas que sempre colocavam seu
estilo próprio em cada edição, sem amarras editoriais. E, acreditem, galera
mandava BEM DEMAIS!
Zero das as caras na arte de Rogério Hanata. |
Na primeira edição tivemos os
desenhos bem básicos (e até tosquinhos) de Márcia Harumi Saito, esposa do Zé
Roberto. E foi a partir da segunda
edição que os ilustres desconhecidos mandaram ver. No fim de cada edição tínhamos
um pequenos “Bios” dos desenhistas convidados e, a seguir, segue uma pequena
lista da galera. MAS ATENÇÃO: Alguns nomes podem explodir sua cabeça...
Ed.01- Márcia Harumi Saito
Ed.02-Grupo Visuart (Marcos
Pinto,Daniel HDR, Alexandra Texeira e Samuel Knvetz)
Ed.03- Paulo Henrique (P.H)
Ed.04- Érika Awano
Ed.05- Lydia Megumi Oide
Ed.06- Fábio Paulino Nunes
Ed.07 - Leonardo Ono
Ed.08- Sidney Gonçalves Lima
Ed.09- André Luis Felipe (ALF ou
Alfloptrecus Malucus)
Ed.10- Roberto Amaral do
Nascimento Jr.
Ed.11- Rogério Hanata
Ed.12- Eduardo Francisco e Rafael
Picard
Ed.13- Rogério Hanata (de
novo...)
ED.14- André Luis e Fábio Paulino
(ambos de novo...)
Ed.15-André Luis (MAIS UMA VEZ,
só que aqui o ultimo nome não é mais “Felipe” e sim “Ferreira”...vai
entender...)
Ed.16- Daniel HDR e Alexandra
Texeira
O mais legal dessa galera é que
muitas vezes um dos desenhistas de uma edição aparecia ajudando o desenhista de
outra, na maioria das vezes com a colorização. Era praticamente uma “colab”
artística. Todos eram poços de talento ainda em inicio de carreira e alguns
hoje são praticamente estrelas do traço. O mais facilmente identificável para o
público que nunca tocou em um mangá será Daniel HDR, o qual desenha para a DC
Comics atualmente.
Página dupla da edição 16 por Daniel HDR e Alexandra Texeira (Imagem: gibissaurus.files.wordpress.com) |
Infelizmente a revista chegou ao fim na edição
16, o que é uma pena pois muita gente extremamente talentosa acabou não sendo
publicada. Porém, alguns testes eram sempre publicados no editorial e eram de
encher os olhos. Três destes testes que merecem destaque estão nas edições 10,
15 e 16 e são do Caio Thiago, José Henrique Pereira e Walmir dos Santos
Archanjo, respectivamente. Os 3 teriam participações garantidissimas na série
não fosse o cancelamento e, arrisco a dizer, poderíamos ter algumas das mais
belas edições da série...
Enfim, apesar do plot maluco
(sabemos que Megaman e Megaman X são o mesmíssimo robô só que de linha
temporais diferentes, mas aqui são “irmãos”), da trama pouco ortodoxa
(conspirações alienígenas e seitas macabras), vale a pena procurar pelo mangá
brazuca do Megaman. Seria ótimo uma nova iniciativa dessas em nossas bancas (a
JBC publicou em 2014 os vencedores do concurso nacional “ Henshin Mangá” mas alguns dos vencedores deixaram MUITO a
desejar...). Ainda temos uma porrada de talentos por aí merecendo uma oportunidade.
O que precisam é de um empurrão de alguma editora disposta a assumir os riscos
e jogar a confiança nesses autores. E, tenho certeza, muitos tem a capacidade
necessária para criar um novo nicho duradouro no nosso país.
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